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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Um Boi Vê os Homens - Carlos Drummond de Andrade

Um Boi Vê os Homens
(Carlos Drummond de Andrade)

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm 
e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos 
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes 
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres 
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, 
até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam 
nem o canto do ar nem os segredos do feno, 
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço.E ficam tristes 
e no rasto da tristeza chegam à crueldade. 
Toda a expressão deles mora nos olhos – e perde-se 
a um simples baixar de cílios, a uma sombra. 
Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade, 
e como neles há pouca montanha, 
e que secura e que reentrâncias e que 
impossibilidade de se organizarem em formas calmas, 
permanentes e necessárias. Têm, talvez, 
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem 
perdoar a agitação incômoda e o translúcido 
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos 
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme 
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo 
como pedras aflitas e queimam a erva e a água, 
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

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