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terça-feira, 5 de abril de 2011

Dois Velhinhos - Dalton Trevisan

Cumplicidade, companheirismo...
Acontece quando se está junto.
Independente do estar fisico.

(Ah, estar junto...
Ser "uno". Ser "tutti".
O melhor lugar do mundo.)

Criadouro de laços folgados (pq amar é especialmente deixar livre),
de afinidades e de inesgotáveis generosidades.

Como é rico o olhar do mundo do outro. E como enriquece o meu.
Pobre eu seria se não o tivesse.

Diz o Moska, lindamente:
"Gosto quando olho com você o mundo
E gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele com você."

"Dois Velhinhos" podem ser eu e você, você e outro alguém, nós todos...


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Dois Velhinhos*
(Dalton Trevisan)


Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.

Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.

Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:

- Um cachorro ergue a perninha no poste.

Mais tarde:

- Uma menina de vestido branco pulando corda.

Ou ainda:

- Agora é um enterro de luxo.

Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.

Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.

Cochilou um instante - era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.



* Texto extraído do livro "Mistérios de Curitiba", Editora Record — Rio de Janeiro, 1979, pág. 110.

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