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terça-feira, 8 de novembro de 2011

A Difícil Busca da Autorrealização - Leonardo Boff

Minha mãe tem um costume muito antigo de colar lembretes em lugares estratégicos às vistas dela. Ultimamente eles estão presos no azulejo, na parede em frente a pia da cozinha. Normalmente são palavras de esperança, de proteção. Ela diz que "é pra não esquecer", e que enquanto ela cuida das coisas ela ora, medita sobre, pensa na gente e nos apresenta a Deus, em cuidado. Dizem que pra cada filho em pé tem uma mãe de joelhos. A minha está há tempos com os dela cheios de ziquizira. Sério! Os joelhos da minha mãe estão bichados já há alguns anos. Culpa dos meus irmãos! (Obrigada mãe! Um dia serão os meus.)

As lutas da minha mãe são um pouco diferentes das minhas. O meu "não esquecer" é outro e a pia da cozinha seria o ultimo lugar que eu colocaria, hoje. Pra funcionar comigo, eu precisaria agendar no blackberry, com recorrência diária e alarme ativo (utilizando o soneca a cada 5 min).

Encontrei um texto bem bacana do Leo Boff que queria compartilhar por aqui hoje. Tem a ver com os meus "não esqueceres" diários e de tempos em tempos: 
1- Não me perder;
2- Não perder meus valores;
3- Não me perder do Alto, do Sublime, do meu Protetor;
4- Não esgotar meus recursos (dentro e na vida);
5- Não correr atras do vento;
6- ....
7- ...

Como toda e qualquer boa lista de intenções, nem sempre consigo cumpri-la. Mas é sempre um ponto de partida. E de retorno. Há sempre a possibilidade de rearranjo, de reajuste, avaliações, reavaliações, e de tentar de novo.

É um "não esquecer" pra quem não se finge de morto. Pra quem encara os monstros nos olhos. Pra quem sai à vida e à luta todos os dias. Pra quem quer melhorar de vida. Pra quem quer comprar uma casa maior, um carro melhor. Pra quem quer mais conforto, pra si e pros queridos da casa. Pra quem tem chefe e pra quem é o chefe. Pra quem tem medo de perder o emprego e pra quem tem medo de perder o negócio. Pra quem lida com pressão de prazos o tempo inteiro. Pra quem tá vivo. Pra quem pulsa. Pra quem declara imposto de renda e se revolta com a garfada que leva. Pra quem lida com a politicagem do mundo corporativo e acadêmico. Pra quem tem sonhos e é ambicioso. Pra quem não desistiu de avançar, não estacionou. Pra quem corre mais do que dá. Pra quem vive negociando tempo, encaixando/apertando coisas aqui e ali. Pra quem senta a mesa com o dono. Pra quem acha importante ter uma boa apresentação pessoal. Pra quem, por vezes, mente com a cara mais lavada do mundo, diante de um perrengue. Pra quem é estudado, tem certificações. Pra quem questiona e repensa. Pra quem se destaca, pensa e age diferente da massa. Pra quem  consome bens naturais exaustivamente (energia, lixo). Pra mim e quem sabe, pra vc.
  
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A Difícil Busca da Autorrealização
(por Leonardo Boff em 07/novembro/2011)

Hoje vigora vastamente uma erosão de valores éticos que normalmente eram vividos e transmitidos pela família e depois pela escola pela sociedade. Essa erosão fez com que as estrelas-guia do céu da ética ficassem encobertas por nuvens de interesses danosos para a sociedade e para o futuro da vida e do equilíbrio da Terra.

Não obstante esta obscuridade importa reconhecer também a emergência de novos valores ligados à solidariedade internacional, ao cuidado para com a natureza, à transparência nas relações sociais e à rejeição de formas de violência política repressiva e da transgressão dos direitos humanos.

Mas nem por isso diminuiu a crise de valores, especialmente no campo da economia de mercado e das finanças especulativas que são as instâncias que definem os rumos do mundo e o dia-a-dia dos assalariados, vivendo sob permanente ameaça de desemprego.

As crises recentes denunciaram máfias de especuladores instalados nas bolsas e nos grandes bancos cujo volume de rapinagem de dinheiros alheios quase levou à derrocada todo o sistema financeiro mundial.

Ao invés de estarem na cadeia, depois de pequenos rearranjos, tais velhacos voltaram ao antigo vício da especulação e do jogo de apropriação indébita dos “commons”, dos bens comuns da humanidade (água, sementes, solos, energia, etc.).

Esta atmosfera de anomia e de vale-tudo que se espraia também na política, faz com que o sentido ético fique embotado e as pessoas diante da geral corrupção se sintam impotentes e condenadas à amargura ácida e à resignação humilhante.

Neste contexto muitos buscam sentido na literatura de autoajuda, feita de cacos de psicologia, de sabedoria oriental, de espiritualidade com receitas para a felicidade completa, ilusória, porque não se sustenta nem se apoia num sentido realista e contraditório da realidade.

Outros procuram psicólogos e psicanalistas que recebem dicas melhor fundadas. Mas no fundo, tudo termina com os seguintes conselhos: “dada a falência das instâncias criadoras de sentido como as religiões e as filosofias, devido à confusão de visões de mundo, da relativização de valores e do vazio de sentido existencial, procure você mesmo seu caminho, trabalhe seu Eu profundo, estabeleça você mesmo referências éticas que orientam sua vida e busque sua autorrealização.

“Autorrealização”: eis uma palavra mágica, carregada de promessas.

Não serei eu que vá combater a “autorrealização” depois de escrever "A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana” (Vozes 1999), livro que estimula as pessoas a encontrarem em si mesmas as razões de uma auto-realização sensata.

Esta resulta da sábia combinação da dimensão de águia e de galinha. Quando devo ser galinha, quer dizer, concreto, atento aos desafios do cotidiano e quando devo ser águia que busca voar alto para, em liberdade, realizar potencialidades escondidas. Ao articular tais dimensões, cria-se a possibilidade de uma autorrealização bem sucedida.

Penso que esta autorrealização só se consegue se incorporar seriamente três outras dimensões. A primeira é a dimensão de sombra. Cada um possui seu lado autocentrado, arrogante e outras limitações que não nos enobrecem. Esta dimensão não é defeito mas marca de nossa condição humana, feita da união dos contrários. 
Acolher tal sombra, cuidar que seus efeitos maléficos não atinjam os outros, nos faz humildes, compreensivos das sombras alheias e nos permite uma experiência humana mais completa e integrada.

A segunda dimensão é a relação com os outros, aberta, sincera e feita de trocas enriquecedoras. Somos seres de relação. Não há nenhuma autorrealização cortando os laços com os demais.

A terceira dimensão é alimentar certo nível de espiritualidade. Com isso não quero dizer que a pessoa deva se inscrever em alguma confissão religiosa. Pode até ocorrer mas não é imprescindível. O importante é abrir-se ao capital humano/espiritual que, ao contrário do capital material, é ilimitado e feito de valores como a verdade, a justiça, a solidariedade e o amor.

É nesta dimensão que emerge a questão impostergável: que sentido tem, afinal, minha vida e o inteiro universo? Que posso esperar? A volta ao pó cósmico ou ao abrigo num Útero divino que me acolhe assim como sou?

Se esta última for a resposta, a autorrealização traz profundidade e uma felicidade íntima que ninguém pode tirar.


*Leonardo Boff é teólogo e filósofo.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ferrugem - Djavan



Ferrugem
(Djavan)

Mera luz
que invade a tarde cinzenta
e algumas folhas deitam
sobre a estrada

O frio é o agasalho
que esquenta
O coração gelado
quando venta
movendo a água
abandonada

Restos de sonhos
sobre um novo dia
amores nos vagões
vagões nos trilhos
Parece que quem parte
é a ferrovia
Que mesmo não te vendo te vigia
Como mãe
Como mãe
que dorme olhando os filhos
com os olhos na estrada

E no mistério
solitário da penugem
vê-se a vida correndo parada
como se não existisse chegada
Na tarde
distante
Ferrugem
ou nada
........................

Voltando a escrever por aqui.
O tempo é curto, mas a vontade é grande.
Falando sempre de coisas aqui de dentro.
Falando de mim, mas nem sempre, por mim ou somente para mim.
Um pensamento, enquanto dentro, é só meu, ou só seu. Uma voz anunciada cria eco, se une a outros pensamentos, outras pessoas. Vira nosso. É o poder da identificação. Que só é possivel quando o pensamento vem morar fora da cabeça da gente. E é por isso, especialmente, que escrevo e compartilho (besteiras, bobeiras, sentimentos, reivindicações...). Porque acredito no poder pacificador da identificação. Porque é justo que seja assim.
Não estamos sós. Nem eu, nem você. Nem os nossos monstros.

Bom dia!